Artigo
Por Henrique Acker
O número de brasileiros radicados em Portugal não pára de crescer. Em agosto deste ano o jornal "Público" divulgou que 252 mil brasileiros residem oficialmente no país, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Sem contar os que ainda não conseguiram regularizar sua situação junto às autoridades de imigração. Há cerca de 185 mil portugueses fixados no Brasil.
O número deve aumentar a partir de janeiro de 2023, quando passa a vigorar a nova Lei de Estrangeiros, que permite aos cidadãos de países lusófonos entrar em Portugal com um visto de quatro meses, renovável por outros dois meses, tempo para conseguir trabalho no país. O novo visto terá que ser solicitado aos Consulados de Portugal no Brasil.
Não é de se estranhar que a eleição deste ano em Angola e a eleição presidencial no Brasil tenham despertado tanto interesse da mídia em terras lusitanas. Cerca de 90 mil brasileiros estão aptos a votar nas eleições presidenciais deste ano em três colégios eleitorais: Porto (Norte), Lisboa (Centro-Sul) e Faro (Sul). No primeiro turno, Lula obteve cerca de 60% dos votos contra 30% de Bolsonaro em Lisboa e no Porto, os principais centros de votação.
Déficit demográfico
Portugal tem um déficit demográfico que não para de crescer. Cerca de um quarto da juventude migra para outros países da Europa, atrás de oportunidades de trabalho com maior remuneração. Isso, naturalmente, desfalca a mão-de-obra para a produção industrial e outros setores da economia.
Em 2021 o país perdeu 45 mil habitantes e cerca de 39 mil em 2020. Outro dado preocupante é o envelhecimento. Em 2021, o índice que compara a população com 65 e mais anos (idosa) com a população dos 0 aos 14 anos (jovem) atingiu a cifra de 184,9 idosos por cada 100 jovens (180,6 em 2020), de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
Com a flexibilização da legislação trabalhista, que criou regimes de trabalho precários e passou a vigorar na primeira década deste século, muitos portugueses preferem sair do país ou tentar outras formas de sobrevivência do que se sujeitar a trabalhar como terceirizados, em troca de salário mínimo (€ 705), um dos mais baixos da Europa.
Daí a expectativa de que uma nova grande leva de estrangeiros das ex-colônias, particularmente do Brasil, chegue ao país a partir de janeiro do próximo ano. O governo e os analistas políticos contam com esses imigrantes para ocupar os postos de trabalho vagos em Portugal, seja qual for o resultado da eleição.
Tempo de recessão
O problema é que a guerra da Ucrânia, a especulação e a inflação, além da subordinação da União Européia (UE) à política externa dos EUA, aproximam a Europa cada vez mais de um cenário de recessão em 2023. O custo de vida em Portugal deu um salto nos últimos meses, assim como em toda a Europa. A pobreza aumenta.
Boa parte dos imigrantes perdeu o emprego na pandemia de coronavírus e hoje boa parte deles depende de donativos e programas sociais. Um dos problemas mais graves de quem migra para Portugal é a moradia. A elevação de Lisboa e do Porto a duas das cidades com mais atrativos para se viver na Europa, fez crescer o preço dos aluguéis, inclusive nas outras regiões do país.
TV e jornais atentos
Apesar de naturalizar a existência de grupos neofascistas no país, a mídia portuguesa e seus analistas não têm qualquer dificuldade em denominar Bolsonaro e o bolsonarismo como um fenômeno de extrema-direita, assim como faz com outros líderes e movimentos ultra-direitistas da Europa.
A Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), sistema público de comunicação, reforçou sua equipe no Brasil para a cobertura das eleições. Todos os dias os repórteres são acionados no Rio, São Paulo ou em outros pontos do Brasil, para atualizar informações sobre a campanha eleitoral.
Já a CNN Portugal retransmitiu o debate da TV Bandeirantes, ao vivo, com comentários de observadores. O jornal "Público" fez uma série de reportagens sobre o Brasil nas últimas semanas e os jornais diários reservam colunas e até páginas inteiras sobre o processo eleitoral brasileiro. A cobertura deve crescer em tempo e espaço nas TV e nos jornais, à medida em que se aproxima o segundo turno.
Relações secundárias
Depois de sua integração à União Europeia (1986), Portugal dedicou-se muito mais a estabelecer relações econômicas com os países do bloco europeu, tornando secundários os negócios com as ex-colônias da África, mas também com o Brasil, embora ainda existam grupos econômicos importantes de capital angolano e brasileiro em Portugal e alguns grupos portugueses com negócios nesses países.
Segundo dados do Itamaraty, os valores negociados em 2021 entre Brasil e Portugal alcançaram o total de US$ 3,49 bilhões (R$ 17,2 bilhões). Naquele ano, o Brasil exportou o equivalente a cerca de US$ 2,65 bilhões (R$ 13 bilhões) e gastou US$ 857 milhões (R$ 4 bilhões) com as importações. No entanto, o Brasil não está nem entre os dez maiores destinos de exportação de produtos portugueses, de acordo com o INE.
* Jornalista e correspondente internacional radicado em Portugal