Da Redação SariguêNews
Por Niara Aureliano
Na véspera do dia da Consciência Negra, a XI Marcha da Periferia reuniu ativistas negros em Madureira contra o racismo e em defesa da democracia, no último sábado (19). “Contra o racismo, a fome e as chacinas - por direitos e por democracia, reparação já” foi o tema da marcha deste ano, construída por entidades do movimento negro como o Movimento Negro Unificado, Unegro, Quilombo Raça e Classe e representantes de entidades sindicais, como o Andes-SN.
À frente da faixa que abria o ato, com outras mulheres negras, estava a futura vereadora Monica Cunha (PSOL), co-fundadora do Movimento Moleque, que deverá tomar posse na Câmara Municipal do Rio em 2023, após tomarem posse os vereadores Tarcísio Motta e Chico Alencar como deputados federais.
Em pauta, reparação - para ela, uma luta pelo direito de existir. “A Marcha da Periferia reúne uma quantidade pequena ainda de negros, mas negros que lutam por essa resistência de existir aqui, principalmente aqui em Madureira, que é um dos bairros do município do Rio onde tem um número muito grande de negros. E nem aqui que é um bairro com muitos negros a gente deixa de sofrer racismo, a gente deixa de morrer, eles deixam de nos matar”.
A fala se relacionava com o recente episódio de racismo ocorrido nas lojas Renner, localizada no shopping do bairro. Uma jovem mulher negra foi acusada por uma funcionária branca de estar furtando produtos da loja. Ela denunciou que a funcionária entrou em seu provador exigindo que devolvesse as peças que estariam em sua mochila. O vídeo do episódio viralizou nas redes sociais. A jovem prestou queixa na delegacia do bairro. A funcionária foi demitida.
Mulher negra, mãe de vítima de violência do Estado, Cunha é uma das mães fundadoras do Movimento Moleque. O movimento atuou a partir de 2003 em defesa de crianças e jovens atacados ou mortos pelas polícias. O coletivo, uma união de mães que denunciavam as péssimas condições de funcionamento das unidades correcionais, dos abusos de agentes socioeducativos, e a brutalidade policial fora dos muros da instituição.
A pesquisa “Pele Alvo: A cor que a polícia apaga", de 2021, revelou que cinco pessoas negras foram mortas diariamente em ações policiais no ano passado, observando sete estados brasileiros, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Pernambuco, Piauí e Maranhão. O Rio de Janeiro tem o maior número de mortes, um total de 1.060, mortes, 87,3% do cenário nacional em 2021. No Brasil, um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos, denunciam ativistas antirracistas.
“A resistência de existir” que citou Monica refletiu o início de sua trajetória com a militância. Seu filho, Rafael, estava internado na unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) de Santo Expedito, em Bangu.
“Eu pedia às mães que chegassem antes do horário de visita, aos domingos, e ficava lendo para elas o Estatuto da Criança e do Adolescente, as partes que falavam de adolescentes autores de atos infracionais. Foi ali que nasceu o Moleque, porque eu ia escrevendo ideias que elas traziam, e a gente foi se unindo. E nós chegamos a montar um diagnóstico e um plano de melhorias para as unidades de medidas socioeducativas em 2005, fruto dessas conversas”, narrou Monica em uma rede social.
Mãe de três filhos homens, não de “bandido”, “monstro” ou “bicho”, Monica se ergueu contra as narrativas racistas impostas contra jovens do sexo masculino que cometem atos infracionais - narrativas que se desdobram contra as genitoras e mulheres próximas, na pecha de “mãe de bandido” ou “mulher de bandido” - e passou a atuar com outras mães em defesa de direitos que o Estado peca em garantir aos internos, falhando no processo de ressocialização, segundo especialistas. Essas mulheres se organizaram enfrentando dificuldades e preconceitos; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) era a arma de defesa materna pelos direitos de suas crias.
Em 2006, já fora da unidade do DEGASE, Rafael, “um sarará de olho verde, lindíssimo”, como a mãe adjetivou em entrevista ao Rio On Watch, foi assassinado, no bairro do Riachuelo. De lá pra cá, Monica seguiu construindo fóruns de combate à violência das forças de segurança do Estado.
“Estar lutando por essa reparação é lutar pela nossa vida, pela nossa existência, pela vida dos nossos, pelo direito de parir e criar os nossos filhos. É lutar pelo direito de não ter os filhos nesses depósitos infernais, escravos, que são os presídios, as unidades de medida socioeducativa”, falou.
O ato, que seguiu do Viaduto até o Parque de Madureira, foi encerrado logo após rechaço em frente ao shopping ao episódio de racismo e leitura do manifesto da XI Marcha da Periferia por suas organizadoras - elas, a maioria.
Futuro e passado se encontraram no presente de uma manifestação que, ainda que pequena, segue sendo uma atividade anual num dos bairros de maior tradição afro-brasileira do subúrbio carioca.
“Passamos aqui agora e tinha uma menina negra, devia ter uns 8 anos, lendo o manifesto. Olhando pra nós e levantando o punho. Por quê? Porque ela se espelhou na gente, ela viu na gente o futuro dela amanhã”, finalizou a futura vereadora.